sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Alma gémea


Estejamos em paz (Beatriz Prestes)



Quando o céu ainda não tinha nome
e a Terra era apenas uma promessa,
chamei por ti da alvorada das estrelas.

Ainda os deuses dormiam no limbo
e a sua vontade não rasgava universos,
chamei por ti na madrugada dos tempos.

A voz se me perdeu nos ventos de Samsara
e na alma eterna tatuei o teu nome,
porque mesmo no silêncio mortal chamarei por ti.

Na tua sombra


osombrablog


Eis que tu chegas
e o silêncio abafa o mundo.
E é sob a tua sombra que o
meu espaço mingua.
Tudo tu preenches,
tudo tu és,
de repente,
tingindo de amor
o rubro coração.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Bene Ha 'Elohim


ponteoculta


Filhos da rebelião da luz,
de olhos postos no abismo,
centelhas de fogo que tudo alcançam,
que implodem e se consomem num só coração.


A queda das asas precipitou-vos na terra fria,
no ventre mais escuro.
Dos rostos de luz sobraram sombras vigilantes
que se escondem entre a obra de Elohim.


Força feroz e invasora,
essência dispersa da centelha divina,
criadores guerreiros ou magos celestes,
semente disseminada em segredo,
poeira cósmica dos Nephilim ancentrais,
filhos das estrelas que somos nós.

Quando eu escrevia poemas


colegioamparo


Enquanto acreditei que existias eu escrevia poemas,
aos teus olhos predadores, à tua boca invasora.
Tu eras o poema e eu respirava-te pelas palavras que escrevia.
Nos contornos do teu corpo desenhei metáforas.
A poesia nascia-te no ventre e escorria fluida e poderosa
dos teus lábios, onde eu, ávida, colhia cada rima.
E afinal tu não existes e eu não sei escrever.
A solidão é uma folha em branco.
A tua inexistência é dislexia onde as sílabas troçam de nós
e as palavras não fazem sentido.
A realidade sem ti é tão árida como a tua face em cada manhã.
E este vazio é sinistro, perverso e inútil,
como o ponto final onde me suspendo, louca à beira do abismo.
E afinal tu não existes e nunca leste os meus poemas.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

De mãos abertas


Viningsight


Aprendi a manter as mãos abertas,
palmas viradas para o céu,
para libertar o que não é meu
e apenas em mim pousou.
Para aceitar o que para mim vier
e em mim, porque meu,
quiser ficar.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O meu anjo desasado




Eu nasci quando Deus dormia
e quem me fadou foi um anjo coxo e desasado
que só sabia cantar.
Não me assistiram fadas,
nem bruxos me enfeitiçaram.
Nem um só parou para me olhar.
Caí na vida, como pena
das asas que o meu anjo não tem.
Nunca Deus me viu,
porque dormia,
e o que nasce no sono do Deus não existe.
Continuo com esse anjo desasado
a cantar no meu ouvido,
às vezes desafinado.
Sinto-me capaz de caminhar
embalada nas suas notas,
ora harmónicas, ora dissonantes.
Fica sempre á minha esquerda,
inclinado,
substituindo o vazio de outro abraço.
De vez em quando ri-se,
o desastrado,
de mim e do mundo.
Até do Deus que ainda dorme.
Recolhe as minhas penas,
em segredo,
uma por uma,
apanha-as do chão.
Com elas, um dia voltará a ganhar asas,
mas será sempre o meu anjo coxo e trapalhão.
Seguimos os dois,
como bêbados amparados na tontura,
embriagados por esta vida
que nos aconteceu quando Deus dormia.
Vamos como água
por entre pedras e limos,
como vento correndo na invernia dos salgueiros,
ou vagabundos nas ruas de todas as portas fechadas.
Quem sabe, vamos como lágrimas presas
nos olhos de amantes abandonados.

Desasados vamos os dois,
em dueto,
sonho do Deus que ainda dorme.

Nada mais




E do amor
nada mais resta
senão um dia de Janeiro
frio e surrealista
em que acreditei
que vivia.